segunda-feira, 21 de julho de 2008

Peer Gynt by Berliner Ensemble

No enorme palco vazio, com as cruas luzes bem acesas, lá no fundo surge Peer Gynt, com a roupa suja e um andar duro característico de um homem do povo, caminha até a boca de cena... Ele falava com a voz forte em alemão, com uma figura tão envolvente que a princípio julguei que estava entendendo tudo, e embora contasse com legenda, eu não olhava para ela mesmo não dominando a língua, por alguns momentos não conseguia tirar os olhos do ator Uwe Bohm.
Logo depois entra o personagem que é a mãe de Peer, Aase, viúva pobre que tudo faz para o sustentar, compondo juntamente com ele com tanta maestria, que eu fui entrando na poética surreal, e vivendo as aventuras daquele conto de fadas como se fizesse parte dele.

Peer Gynt, é um um anti-herói totalmente fora dos padrões, uma mistura de sensualidade e auto-ilusão, que trata todas as mulheres, mesmo sua mãe Aase, como potenciais objetos sexuais.

Durante o espetáculo, havia uma galeria infinita de personagens e seres estranhos: para além da mãe de Peer, e da eterna apaixonada Solveig, havia macacos, doentes psiquiátricos, ladrões, a Esfinge do deserto, homens e mulheres troll, gnomos, beduínos bruxas, e escravas.
Os atores compunham os diversos cenários com muita criatividade, entrando com apetrechos que ganhavam diferentes signos na mesma cena. Víamos também o cenário sair com eles, e havia cenas que saltavam do palco para invadir a platéia, anulando a diferença entre os dois espaços.

É um prazer falar da peça Peer Gynt, que assisti no Festival de Almada (Portugal), com o Berliner Ensemble, companhia fundada por Bertold Brecht, sob direção de Peter Zadek.
Henrik Ibsen inicialmente escreveu um poema dramático, chamado: “monstro”, baseado em alguns contos de fadas noruegueses, que não era para ser representado, mas como foi considerado uma obra-prima da literatura escandinava, o próprio Ibsen resolveu adaptar o seu poema para o palco,com o nome de Peer Gynt.

Transcrevo um trecho revelador da carta de Henrik Ibsen para seu editor, enviada em 1868

“Tenho ainda a mencionar que hoje lhe envio o manuscrito dos primeiros três atos do meu novo trabalho, intitulado Peer Gynt, um poema dramático. Agora estou curioso por ouvir se lhe agrada. Eu próprio espero o melhor. Não sei se lhe interessa, mas Peer Gynt existiu realmente. Vivia em Gudbrandstal, provavelmente no início deste século ou no fim do anterior. O seu nome não foi ainda esquecido pelo povo de lá em cima, mas sobre os seus feitos não se sabe muito mais do que aquilo que se pode encontrar nos contos de fadas noruegueses, de Asbjornsen”

O diretor Peter Zadek, resolveu enfrentar o “monstro” Peer Gynt, e a sua estreia foi em Abril de 2004 no Berliner Ensemble. Só consegui ver agora e venho compartilhar porque o espetáculo é excepcional.
Apesar de Zadek ter iniciado sua carreira em Inglaterra, e seu repertório e estética ficarem longe da tradição alemã, ele é cultuado e venerado na Alemanha. No ano passado ele recebeu o Premio Europeu de Teatro.

Peer Gynt chama atenção durante a mágica noite e nos lembra que o individualismo das sociedades burguesas e o aprisionamento do Peer dentro do seu próprio mundo é uma condição do homem moderno.

“Fossemos infinitos

Tudo mudaria 

Como somos finitos

Muito permanece.”

terça-feira, 1 de julho de 2008

"Aleksandra" de Aleksandr Sokurov

Sokurov usa o tempo, o momento presente aparentemente interminável, para mostrar o conflito na Chechénia e refletir sobre a totalidade da experiência da guerra. Não há nada no filme que seja superficial, esse tempo do cotidiano, só revela a perda básica da humanidade. Os aspectos emocionais não são ofuscados pelo intelectual, e esse equilíbrio faz toda a diferença.

A belíssima fotografia capricha para mostrar o ambiente letárgico, o calor, os corpos que dormem pouco,comem mal e são maltratados pelo cotidiano da Guerra.

O primeiro movimento, para definir o ritmo de Alexandra(Galina Vishnevskaya), mostra como ela chega ao trem blindado e interroga sobre a unidade militar de seu neto Denis (Vasily Shevtsov). É paradoxal as imagens dela entrando dentro do universo da Guerra, potencialmente perigoso… Ela a idosa e experiente entre os jovens fortes e imaturos.


A simples presença física da avó, no meio a guerra confere tensão, mostra a guerra como trabalho inútil, desgastante, onde os soldados sequer defendem a pátria.
Entendemos a guerra pelas pessoas que a fazem, pelo lado das relações humanas, pois ela nunca ocorre em frente às câmeras.
A maior parte da narrativa se passa com as caminhadas de Alexandra pelos campos, em meio aos soldados, um acentuado simbolismo da Mãe Rússia e seus filhos.

Um capitão altamente respeitado, propõe o segundo movimento, aprovando sua caminhada para o mercado da aldeia vizinha, onde ela entra em contato com os habitantes locais chechenos, e é muito bem tratada. Fica estampada a solidariedade e o carinho das mulheres que acolhem a Russa que vai comprar cigarros e bolachas para os soldados.



No terceiro movimento, Alexandra está cheia de perguntas, e significativamente, ela insiste em que essas questões são importantes para o País. Ela retorna à base indagando ao seu neto Denis sobre o seu lugar na guerra, o lugar da guerra em todo o mundo, o seu futuro, seu bem-estar…
Calmamente, com as simples questões feitas pela avó, chegamos a perceber a razão para tantas perguntas, como: "Onde você lavar?" ou "O que você lê?" porque desemboca no que é preeminente, como a forma de carregar uma arma: "Oh - é assim tão fácil?" no mesmo tom ela continua: "Você já matou? Quantos? E os temas são abordados no local, onde não há espaço para os sentimentos.


Com um cinema poético, Sukorov nos leva a ver no papel de uma velha avó que vai visitar seu neto servindo o exercito na Chechénia, toda a complexidade da Guerra e da política atual da Rússia, em um mundo de especificidade e universalidade.