quarta-feira, 12 de agosto de 2009

As praias de Agnés



"Je me souviens pendant que je vis"

No documentário “As praias de Agnés”, vemos que Varda Vive, enquanto recorda. O instante é captado consoante a memória dela, deixa sair suas vivências.

Na primeira cena do filme, há um momento em que se vê o mar, e um espelho, que balança. O mar está calmo, mas no espelho ele parece agitado. O filme se revela, nesse ponto de vista. O auto-retrato é o espelho, e ele reflete: Agnés, outras pessoas, as ondas, o mar, a realidade.
Ela entra em "As Praias de Agnès" a andar para trás, olhando sempre para a câmara. É poético, é ambíguo. Agnés, aos 81 anos, diverte-se como criança, livre e solta, a andar para trás, sem parar de olhar para a câmara. Olhamos para ela, que nos olha, como uma menina travessa, nessa preciosa troca de olhares.



Compartilhei da melancolia de Agnès, que revive com lirismo o seu amor por Jacques Demy, que ficamos a saber, morreu de AIDES.
Nesse momento, a morte está diante de meus olhos. Faleceu recentemente um amigo e, isso mudou o significado de minha vida. Por isso, teve um significado profundo para mim, a sequência que Agnés monta uma exposição para o festival de Avignon. Ela está diante de fotos de pessoas que lhe são preciosas e, de repente, percebe que estão todos mortos. A emoção toma conta dela, que diz: - "Estou rodeada de mortos." Ela se dá conta, de que Jacques Demy, que foi seu companheiro, está entre as fotografias e, começa a chorar. Como ela vive, tão intensamente o momento, em um filme feito de acasos, é pura emoção. Seu filme é como uma obra inacabada.
Agnés, quando explica o filme diz, que é um filme puzzle, e que faltam peças. “Não temos o modelo, porque o modelo constroi-se enquanto se faz o filme, com a montagem.”
É certo, que ela teve muito trabalho, para unificar as peças desse puzzle, mas valeu a pena, pelo tom adquirido, pela montagem, pelo vôo nas idéias e pelas constantes brincadeiras.



Vemos as recordações de Agnés em cena, através dos excertos dos seus filmes, nas imagens, e reportagens. O seu amor pelas praias, leva-nos ao seu percurso, com emoção e humor: os primeiros passos como fotógrafa de teatro, cineasta nos anos cinquenta, a vida com Jacques Demy, sua militância feminista, sua visão política, as viagens a Cuba, à China e aos EUA, o percurso de produtora independente, e sua vida em família.
Ela se confunde com o cinema, não faz distinção entre sua vida e sua arte. Agnés fala de sua íntima vivência na “nouvelle vague”, com Godard, em Los Angeles, que para ela, é a América, nos hippies; em como foi filmar: Viva, a estrela de Warhol, os autores de Hair, em “Lions Love”, e os “graffiti” de Hollywood para o documentário “murmurs”.
Do universo de Varda ficou o céu, o mar, a praia, a beleza de ter um horizonte, a reflexão no olhar e, a vontade de convocar o acaso na arte.