Foi um privilégio assistir Mika Lins, em Memórias do Subsolo, de Dostoiévski .Mika, defende com tanto primor seu personagem, que ficamos absorvidos, por aquele homem ressentido, em sua difícil rotina do subsolo:
"Sou um homem doente... um homem mau. Um homem desagradável."
"Sou desconfiado e me ofendo com facilidade."
O homem do subsolo questiona a civilização burguesa e, sem distinções ataca tudo e todos, provocando com humor ácido nossa reflexão:
"Mas vejamos agora esse camundongo em ação. Suponhamos, por exemplo, que ele esteja ofendido (quase sempre está) e queira vingar-se. Acumula-se nele, provavelmente, mais rancor que em l´homme de la nature et de la verité, porque l´homme de la nature et de la verité, devido à sua inata estupidez, considera a sua vingança um simples ato de justiça. Já o camundongo, em virtude de sua consciência hipertrofiada, nega haver nisso qualquer justiça."
Uma equipe que trabalha com plasticidade e rigor: texto adaptado por Mika Lins e Ana Saggese, a partir da tradução de Boris Schnaiderman, dirigido por Cassio Brasil, responsável também pela cenografia.
Em cena, ancorada em profundo estudo, Mika defende com garra, o seu personagem. Ela, sem exagero em suas expressões corporais, sem a menor caricatura, deixa a platéia com a sensação de estar realmente diante de um homem.
No subterrâneo de um prédio, entre a ironia e amargura e, com toda a veracidade vemos o funcionário público enclausurado.
"Afinal de contas, eu provavelmente nunca saberia o que fazer com minha magnanimidade – nem perdoar, porque meu ofensor pode ter me esbofeteado em obediência às leis da natureza; nem esquecer, pois, mesmo que se trate das leis da natureza, ainda assim é ofensivo."
Mika Lins, nesse personagem que olha tão verdadeiramente para dentro de si, mostra que todos temos um pouco desse homem do subsolo.