quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Palestra de Bob Wilson

Disse o poeta Drummond, que de tudo fica um pouco, da palestra de Bob Wilson, realizada no Masp na semana passada, ficou mais do que um botão...
Ficou o contagio pela sua criatividade e reflexão artística. “Se você sabe o que está fazendo, não faça. É necessário questionar o que se está fazendo"
De tudo ficou um pouco ... Ficou muito dos relatos, desse dramaturgo,encenador,artista plástico, homem da imagem que revolucionou e exerceu grande influência sobre o teatro brasileiro. Entendi que a melhor maneira de conhecer o trabalho dele é passar pela experiência de vê-lo.
Ficou o espírito crítico de Bob Wilson, que entre outras coisas disse que o teatro feito hoje em dia é simplesmente "um texto decorado" e ressaltando a importância do trabalho corporal do ator: “Quanto mais você repete o trabalho, mais livre se é. Como andar de bicicleta. Quando se aprende, você faz sem pensar".

"Mas de tudo fica um pouco...
Faço o espetáculo primeiro sem palavras e acrescentamos as palavras mais tarde". "Elas têm de vir deles, não podem ser algo mecânico."
“O meu trabalho é contra o naturalismo é algo apresentado formalmente. Desde o início e até hoje eu sempre tive interesse no movimento que existe dentro do retrato.
Eu sempre começo o trabalho em silêncio, muitas vezes quando estamos muito quietos, nós nos tornamos muito mais sonoros, do que quando fazemos muitos sons. Quando estamos imóveis, nós temos mais consciência do movimento do que quando estamos nos movimentando. O vídeo-retrato lida com essa imobilidade e com o ouvir o silêncio.”

Como de tudo fica um pouco... guardei essa estória que Bob Wilson contou:
Eu fiz um vídeo-retrato de uma pantera negra sentada em uma mesa. Ela tinha uma corrente em torno do pescoço, como se o dono quisesse tira-la. Filmamos com cerca de 65 técnicos no estúdio, O dono disse: pode tirar a corrente, mas eu não sei se todos gostariam de ficar na sala com uma pantera sem a coleira, cerca de dois terço dos técnicos disseram que não ficariam com a pantera sem a coleira, então alguns de nós ficamos. Depois de um certo tempo a pantera se acalmou, se reclinou sobre a mesa, nós tiramos a coleira, o dono ficou atrás dela e disse: se a pantera pular da mesa e correr em sua direção não se mova.
Normalmente eu não falo no estúdio, não me movimento e nem as pessoas com quem trabalho, é tudo feito em silêncio. A pantera ficou sem a coleira por cerca de meia hora sem se mover e também ninguém se moveu no estúdio. O que foi notável nessa meia hora é que de certa forma, todos nós éramos como a pantera, respirávamos juntos, ouvíamos juntos, era como se houvesse uma única entidade naquela sala. Não estávamos ouvindo somente com o nosso ouvido, mas como a pantera ouve, como o seu próprio corpo!
Vale a pena conhecer o trabalho do Bob Wilson, pesquisar um pouco mais… Ficou da palestra o que criou ressonância mais forte em meu mundo… “Se de tudo fica um pouco, 
mas por que não ficaria 
um pouco de mim?”

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Meredith Monk e o Vocal Ensemble

"I work in between the cracks, where the voice starts dancing, where the body starts singing, where theater becomes cinema."

A semana passada foi dedicada a Meredith Monk, com espetáculo, palestra e o workshop: “Voz dançante, corpo cantante”, com Meredith e membros de seu Vocal Ensemble.
Sempre que ouvia a Meredith Monk cantar, pensava como seria bom, trabalhar, conversar, conviver com ela, mas parecia tão distante essa hipótese… Você pode imaginar como gostei de viver essa experiência.
Foi muito gratificante o encontro com Meredith Monk, Theo Bleckmann, Ellen Fisher, Katie Geissinger e Ching Gonzalez, pelos preciosos momentos em que eles compartilharam generosamente suas técnicas artísticas.

A energia contagiante do Vocal Ensemble nos estimulou, e como resposta a seus diferentes exercícios, eles tiveram a completa entrega do grupo com cerca de trinta profissionais da area de música, teatro, e dança.
Descobri no convívio com o Vocal Ensemble, que a procura deles pelo mistério e mágia vem da disciplina e humildade. Foi intenso, profundo e envolvente o encontro com a chamada: “técnica vocal extendida” e “performance interdisciplinar” da Meredith Monk.
Aprendi que a voz não é apenas um lugar de palavras e notas: é um lugar em expansão onde todas as regras podem ser eliminadas e tudo pode começar de novo.

A técnica do Vocal Ensemble criou uma abertura para descobrir e entrelaçar novos modos de percepção. A voz humana foi o foco de todas as nossas criações, com a orientação dos integrantes do Vocal Ensemble. Dançamos com a voz, e descobrimos como esse instrumento que tem cor, género e paisagem, não precisa de palavras.
Na palestra da Meredith: “A Arte como Prática Espiritual”, ela falou com muita intimidade, já que na plateia conviviam as pessoas que estavam no workshop e a equipe do Dharma/Arte Produções.

Meredith começou por enfatizar que a música é o coração, o centro a força do seu trabalho, que abrange o espaço entre várias artes .A música sempre fez parte de sua vida, com músicos na família desde o bisavô, nasceu por acaso em Lima, capital do Peru, porque sua mãe, cantora, andava em tourné.
Falou do seu espetáculo,"Impermanência": “O que espero é que alguém seja transportado durante uma atuação. Que de alguma forma seja transformado. Cada pessoa é diferente, uma audiência é só um grupo de indivíduos, mas no mundo em que vivemos a atuação ao vivo é uma das poucas situações onde estamos todos no mesmo tempo e no mesmo espaço, e isso é muito preciso.”
Contou que aprendeu música através do corpo, começou com um treinamento da visão, juntando as imagens.Como seus interesses eram: teatro, música, movimento, um dia ela teve intuição de juntar tudo: voz, imagem e movimento. Começou fazendo performance em galerias e assim fez a síntese para seu trabalho de fusão.

“Sempre pensei que fazer arte é como caminhar até a beira de um despenhadeiro, corer o risco e saltar. No começo de uma nova obra ou de um dia de trabalho está o desconhecido. Ser artista é questionar, vagando pela escuridão apenas pressentindo o que se manifestará, é não ter certeza, é tolerar o medo. Quando a curiosidade e o interesse se tornam mais presentes que o desconforto, conseguimos apreciar o mistério, e a exploração se torna vivida e vibrante, Então de fato ultrapassamos o medo, e há sentido de descoberta”

Para concluir essa viagem, no sábado fui assistir ao espetáculo, “Impermanência”: uma celebração da vida e reflexão sobre a morte. Surpreendente do começo ao fim, Monk começa a cantar sozinha à capela, e depois entra seu iluminado conjunto de cantores-dançarinos e músicos. impermanência é uma evocação da passagem do tempo, expressa pela música e pela dança. Um universo em permanente mutação, que se aplica à linguagem multidisciplinar do espetáculo, fazendo da síntese poética uma jornada espiritual.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

A Capela Sistina de Miguel Barceló



Hoje em Genebra, foi inaugurada a sala do Palácio das Nações Unidas, que inclui em sua cúpula uma obra do Miguel Barceló.
Durante mais de nove meses Miquel Barceló, pintou a sala dos Direitos Humanos da ONU em Genebra. Os 1.400 metros quadrados do teto branco ficaram inundados de cores!

Nas fotos você poderá perceber um pouco da trajetória, do processo do pintor trabalhando.



Os jorros de pintura foram cobrindo a caverna-cúpula...

"Nada melhor que a arte como mensagem universal para expressar os valores e princípios que inspiram as Nações Unidas", disse Juan Carlos, rei da Espanha.




Barceló explicou que a caverna simboliza o primeiro local de encontro dos humanos, a grande árvore africana sob a qual as pessoas se sentavam para falar e o único futuro possível: o diálogo. Sobre o mar, o pintor disse aos jornais espanhois, que é a referência ao passado. "O mar é a origem das espécies e a promessa de um novo futuro: emigração, viagem".




A Capela Sistina do século XXI, consiste em um mar de cores repleto de estalactitas, que parecem saltar aos olhos do espectador, segundo Barceló.
Há muita polêmica em torno da obra, porque a sala custou cerca de US$ 30 milhões,e foi custeada por empresas e pelo governo da Espanha em plena crise.








Olha só o ar de satisfação do Barceló, ao apreciar o efeito de sua pintura... Parece que ele queria levar sua pintura contra a gravidade ao extremo. Também gostei muito de ficar olhando essas fotos... Agora quero ter o privilégio de ver a obra de perto, imagino que ela marcará uma época!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Liv Ullmann in São Paulo

Liv Ullmann que veio a São Paulo, especialmente para a abertura de uma mostra em sua homenagem, falou sobre sua experiência como atriz e diretora, em seus 40 anos de carreira.

Com profissionais de teatro, e jovens cineastas na platéia, Ullmann, ao lado de Karin Rodrigues e o consul da Noruega, começou dizendo: Vou falar de meu Curriculum… todos riram…"Acho que sou muito divertida, mas as pessoas não me vêem assim, acham que sou muito séria. Queria muito fazer uma comédia, mas ninguém nunca me convidou".

Ullmann, continuou contando sobre sua carreira, dizendo que viveu anos maravilhosos no teatro, onde começou a atuar em 1957, interpretando grandes personagens.
Contou que o seu primeiro encontro com Ingmar Bergman, quando estava acompanhada de Bibi Andersson, parecia um filme de tão mágico. Bergman escreveu o roteiro do enigmático Persona, a partir do momento que percebeu a intensa semelhança, de seus rostos e suas personalidades, e assim ela conquistou seu primeiro papel de destaque no cinema.
Ullmann que estrelou nove filmes de Bergman, entre eles "Gritos e Sussurros, disse que ele "sabia captar os olhares e as atitudes dos atores".
Foi somente em 1992 que a atriz lançou-se como diretora de longas-metragens; dirigiu dois filmes com roteiros do Bergman. “Os atores entregam o coração para você e isso é um previlégio. Aprendi a conquistar e conhecer pessoas maravilhosas para trabalhar.”

“Saraband é um filme muito forte, e autobiográfico como todos os filmes de Bergman, não que sejam cópias de sua própria vida. Devo dizer que nosso reencontro foi natural, como regressar a terra natal… Quando ele foi embora sabia que era o ultimo filme que faríamos juntos, e que não iríamos mais nos ver. Ele foi para sua ilha e nunca mais voltou, mas disse que voltaria de alguma forma, e que não seria uma coisa assustadora…”
Ullmann com os olhos brilhando continuou: “Um dia, saudosa perguntei a mim mesma: -onde está meu marido?” Ouvi a voz do Bergman: “-Olhe para a mesa” -“-“-Eu olhei e tinha um pássaro! Ele era o Ingmar, ele pousou na mesa e ficou.” Emocionada falou do cineasta, como seu grande amigo, companheiro sentimental e pai de sua filha, a escritora Linn.
UIllmann, com sabedoria de grande artista que captou de obra, em obra, e um nível de entrega raro, fez vibrar a platéia que agradeceu aplaudindo demoradamente!

terça-feira, 30 de setembro de 2008

"As Palavras” de Jean-Paul Sartre

Jean-Paul Sarte, em “As Palavras”, único registro autobiográfico do autor, conta sobre os seus primeiros contatos com a literatura. Nesta mágica lembrança de sua infância, ele relata suas primeiras dúvidas e crises existenciais. Escreve sobre o relacionamento familiar, com sua mãe em especial, a quem considerava uma irmã, e com seu avô, figura importante na formação de sua personalidade.

Nesse fragmento de “As Palavras”, Jean-Paul Sartre, oferece um alento onde as palavras abrem passagem para o vídeo.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Wim Wenders


Fui assistir na sexta feira passada, uma palestra no Masp com o cineasta Wim Wenders, que foi sabatinado, entre outros, pelo cineasta Walter Salles e pelo jornalista Alcino Leite Neto.

Wenders que renovou a linguagem cinematográfica em suas releituras dos clássicos americanos, persegue desde seu primeiro longa-metragem: o deslocamento, a fuga, a incomunicabilidade e a solidão. Influências apreendidas, possivelmente, das pinturas do americano Edward Hopper, referência importante no cinema de Wenders.

Logo no início da sabatina, o cineasta alemão fez menção ao arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, que foi um dos introdutores da idéia de Brasil para ele. Comentou que foi apaixonado pelo trabalho do arquiteto e que ficou impressionado com a idéia de construir uma cidade no meio da selva, assim era apresentada a obra na Alemanha.
Contou que quando jovem, começou sua formação particular em cinema, na cinemateca de Paris, lugar onde era mais barato e quente passar o tempo, por conta disso, assistiu a mais de mil filmes, isso antes de ser aceito para estudar na recém-inaugurada: Escola Superior de Cinema e Televisão de Munique.





Wim Wenders comentou que os cineastas que mais o influenciaram, tinham um forte sentimento em relação a geografia, entre eles o japonês Yasujiro Ozu, o brasileiro Glauber e o norte-americano John Ford. Ele que considera viajar muito interessante para a mente, porque nos torna mais vivos, disse que unificar as duas vertentes: viajar e filmar, faz com que você viva e filme as estórias.
Disse ainda que os filmes podem: transportar as pessoas para outros lugares, nos fazer mergulhar em outros Paises e nos ajudar a descobrir locais e culturas específicas.

Com a experiência de mais de 40 filmes realizados, Wenders disse que hoje está bastante otimista em relação ao futuro do cinema e ressaltou as vantagens das novas tecnologias. Disse que os recursos digitais expandiram a linguagem e o vocabulário do cinema, além de permitir aos jovens diretores uma liberdade muito maior do que tiveram os diretores de sua geração.
Acrescentou que gostaria de ser um jovem cineasta agora e descobrir uma verdadeira voz com as novas tecnologias. Sou um entusiasta com as novas possibilidades, disse acrescentando, que o mundo de hoje não pode ser tratado com o vocabulário antigo.

Wenders chegou a conclusão de que o estilo de produção e narração dele não combinava com a forma de trabalho da fábrica de sonhos comercial norte-americana. Desabafou quando contou sobre sua primeira experiência hollywoodiana, com o mistério Hammett. O produtor era Francis Ford Coppola, um americano que não foi tão seu amigo assim. Devido a diversos conflitos criativos, Wenders demorou a ver seu filme ser lançado, e quando o viu foi com uma versão bastante diferente da que idealizou. Wenders com um jeito cúmplice, disse para o Walter Sales, que estava sentado ao seu lado:”Eu te avisei”. Ele respondeu: “Você não foi enfático o suficiente”.

O cult Wim Wenders, contou que o filme Asas do Desejo, festejado por público e crítica, foi na verdade feito sem roteiro, com improvisações dos atores e inspiração local. O que acontece sem planejamento, ao acaso é precioso, que não controlar o processo criativo, funciona como uma cura para a alma e para a mente, concluiu. Quando foi questionado se isso era possível de ser feito hoje em dia, respondeu que mesmo para ele que já havia provado que conseguia filmar sem roteiro, isso não era possível, então ele confessou que escrevia roteiros falsos, só para conseguir financiamento.

Sai do Masp com a sensação positiva, Wenders em nenhum momento pretendeu ensinar, mas com sensibilidade, soube incentivar todos a buscar suas éticas e estéticas a favor da arte.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Lisboa: o que o turista deve ver

Você já pensou em ter Fernando Pessoa como seu cicerone na cidade de Lisboa?!

É o que acontece quando você lê o livro Lisboa: o que o turista deve ver. Um guia turístico escrito originalmente em inglês por Pessoa.

A charmosa cidade branca que Fernando Pessoa descreve é exageradamente perfeita, faço o mesmo quando falo de Lisboa para os amigos. Compartilho dessa vontade de exaltar Lisboa para o estrangeiro.

"Sobre sete colinas, que são outros tantos pontos de observação de onde se podem desfrutar magníficos panoramas, estende-se a vasta,irregular e multicolorida aglomeração de casas que constitui Lisboa. Para o viajante que chega por mar, Lisboa, vista assim de longe, ergue-se como a formosa visão de um sonho elevando-se até ao azul intenso do céu, que o sol aviva.(...) Ai está Lisboa."


O poeta começa pela Praça do Comércio, com o enorme arco triunfal que dá acesso à elegante Rua Augusta. Moro em frente ao Tejo, perto dessa praça e de muitos lugares descritos no livro: Rua do Ouro, o elevador da Santa Justa, o Rossio, isso causa uma sensação atemporal, tudo está muito semelhante ao descrito por Pessoa. Fica a impressão que irei encontra- lo no Chiado para tomarmos um café na Brasileira, lugar onde ele prestava homenagem à estátua do poeta António do Espírito Santo, e hoje encontramos o próprio Fernando Pessoa, transformado em estátua sentado à mesa.

Pessoa indica ainda, o Teatro Nacional Almeida Garret, hoje chamado de Teatro Nacional Maria II, de onde trago tantas recordações. Ele conduz ainda o visitante pela Avenida da Liberdade, e vai até os jardins do Campo Grande...


“Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rossio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.”

Com ênfase no nacionalismo ele nos dá a descrição das figuras exaltadas em monumentos, e cita fatos importantes da história portuguesa, e oferece ainda a ficha dos arquitetos e artistas que assinam a construção dos prédios da cidade.

“Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores ...
À força de diferente, isto é monótono.
Como à força de sentir, fico só a pensar.”



Pessoa demonstra no seu guia, preocupação com a diminuição da importância da capital portuguesa e sua descaracterização diante das demais metrópoles do Velho Continente, o que realmente não tardou a ocorrer. Com toda a visão critica, ainda hoje, reconheço a beleza dos pequenos cantos da cidade, a luz tão aclamada pelos cineastas, os pequenos oásis de verde, e os monumentos que ele tão bem enaltece...

“Pessoa amou Lisboa. Pessoa rima com Lisboa”.

Lis boa! Lis ótima!

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Peer Gynt by Berliner Ensemble

No enorme palco vazio, com as cruas luzes bem acesas, lá no fundo surge Peer Gynt, com a roupa suja e um andar duro característico de um homem do povo, caminha até a boca de cena... Ele falava com a voz forte em alemão, com uma figura tão envolvente que a princípio julguei que estava entendendo tudo, e embora contasse com legenda, eu não olhava para ela mesmo não dominando a língua, por alguns momentos não conseguia tirar os olhos do ator Uwe Bohm.
Logo depois entra o personagem que é a mãe de Peer, Aase, viúva pobre que tudo faz para o sustentar, compondo juntamente com ele com tanta maestria, que eu fui entrando na poética surreal, e vivendo as aventuras daquele conto de fadas como se fizesse parte dele.

Peer Gynt, é um um anti-herói totalmente fora dos padrões, uma mistura de sensualidade e auto-ilusão, que trata todas as mulheres, mesmo sua mãe Aase, como potenciais objetos sexuais.

Durante o espetáculo, havia uma galeria infinita de personagens e seres estranhos: para além da mãe de Peer, e da eterna apaixonada Solveig, havia macacos, doentes psiquiátricos, ladrões, a Esfinge do deserto, homens e mulheres troll, gnomos, beduínos bruxas, e escravas.
Os atores compunham os diversos cenários com muita criatividade, entrando com apetrechos que ganhavam diferentes signos na mesma cena. Víamos também o cenário sair com eles, e havia cenas que saltavam do palco para invadir a platéia, anulando a diferença entre os dois espaços.

É um prazer falar da peça Peer Gynt, que assisti no Festival de Almada (Portugal), com o Berliner Ensemble, companhia fundada por Bertold Brecht, sob direção de Peter Zadek.
Henrik Ibsen inicialmente escreveu um poema dramático, chamado: “monstro”, baseado em alguns contos de fadas noruegueses, que não era para ser representado, mas como foi considerado uma obra-prima da literatura escandinava, o próprio Ibsen resolveu adaptar o seu poema para o palco,com o nome de Peer Gynt.

Transcrevo um trecho revelador da carta de Henrik Ibsen para seu editor, enviada em 1868

“Tenho ainda a mencionar que hoje lhe envio o manuscrito dos primeiros três atos do meu novo trabalho, intitulado Peer Gynt, um poema dramático. Agora estou curioso por ouvir se lhe agrada. Eu próprio espero o melhor. Não sei se lhe interessa, mas Peer Gynt existiu realmente. Vivia em Gudbrandstal, provavelmente no início deste século ou no fim do anterior. O seu nome não foi ainda esquecido pelo povo de lá em cima, mas sobre os seus feitos não se sabe muito mais do que aquilo que se pode encontrar nos contos de fadas noruegueses, de Asbjornsen”

O diretor Peter Zadek, resolveu enfrentar o “monstro” Peer Gynt, e a sua estreia foi em Abril de 2004 no Berliner Ensemble. Só consegui ver agora e venho compartilhar porque o espetáculo é excepcional.
Apesar de Zadek ter iniciado sua carreira em Inglaterra, e seu repertório e estética ficarem longe da tradição alemã, ele é cultuado e venerado na Alemanha. No ano passado ele recebeu o Premio Europeu de Teatro.

Peer Gynt chama atenção durante a mágica noite e nos lembra que o individualismo das sociedades burguesas e o aprisionamento do Peer dentro do seu próprio mundo é uma condição do homem moderno.

“Fossemos infinitos

Tudo mudaria 

Como somos finitos

Muito permanece.”

terça-feira, 1 de julho de 2008

"Aleksandra" de Aleksandr Sokurov

Sokurov usa o tempo, o momento presente aparentemente interminável, para mostrar o conflito na Chechénia e refletir sobre a totalidade da experiência da guerra. Não há nada no filme que seja superficial, esse tempo do cotidiano, só revela a perda básica da humanidade. Os aspectos emocionais não são ofuscados pelo intelectual, e esse equilíbrio faz toda a diferença.

A belíssima fotografia capricha para mostrar o ambiente letárgico, o calor, os corpos que dormem pouco,comem mal e são maltratados pelo cotidiano da Guerra.

O primeiro movimento, para definir o ritmo de Alexandra(Galina Vishnevskaya), mostra como ela chega ao trem blindado e interroga sobre a unidade militar de seu neto Denis (Vasily Shevtsov). É paradoxal as imagens dela entrando dentro do universo da Guerra, potencialmente perigoso… Ela a idosa e experiente entre os jovens fortes e imaturos.


A simples presença física da avó, no meio a guerra confere tensão, mostra a guerra como trabalho inútil, desgastante, onde os soldados sequer defendem a pátria.
Entendemos a guerra pelas pessoas que a fazem, pelo lado das relações humanas, pois ela nunca ocorre em frente às câmeras.
A maior parte da narrativa se passa com as caminhadas de Alexandra pelos campos, em meio aos soldados, um acentuado simbolismo da Mãe Rússia e seus filhos.

Um capitão altamente respeitado, propõe o segundo movimento, aprovando sua caminhada para o mercado da aldeia vizinha, onde ela entra em contato com os habitantes locais chechenos, e é muito bem tratada. Fica estampada a solidariedade e o carinho das mulheres que acolhem a Russa que vai comprar cigarros e bolachas para os soldados.



No terceiro movimento, Alexandra está cheia de perguntas, e significativamente, ela insiste em que essas questões são importantes para o País. Ela retorna à base indagando ao seu neto Denis sobre o seu lugar na guerra, o lugar da guerra em todo o mundo, o seu futuro, seu bem-estar…
Calmamente, com as simples questões feitas pela avó, chegamos a perceber a razão para tantas perguntas, como: "Onde você lavar?" ou "O que você lê?" porque desemboca no que é preeminente, como a forma de carregar uma arma: "Oh - é assim tão fácil?" no mesmo tom ela continua: "Você já matou? Quantos? E os temas são abordados no local, onde não há espaço para os sentimentos.


Com um cinema poético, Sukorov nos leva a ver no papel de uma velha avó que vai visitar seu neto servindo o exercito na Chechénia, toda a complexidade da Guerra e da política atual da Rússia, em um mundo de especificidade e universalidade.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Livro em Cena - Sobre Humanos

Fiquei ausente por um bom motivo: O Livro em Cena, “Sobre-Humanos” de Paulo Bloise, com posfácio de Heloisa Prieto. Todos estão convidados, para a próxima sexta, no Memorial às 16:00 horas, visite o site:http://www.modernaliteratura.com.br/literatura/animacao/paulob/

Gostei de trabalhar o livro “Sobre-humanos”, por sua atitude política, pela sua luta pelos excluídos, os marginalizados, pelo seu empenho na reforma psiquiátrica.

Ele mostra o que se passa atrás dos muros dos hospitais e das conveniências dos sistemas. É um livro de denuncia, que vem multiplicar as inúmeras vozes de seus personagens mostrando a divida que a sociedade tem para com essas pessoas que são presas e obtém um tratamento desumano.Ele mostra o que é a assistência psiquiátrica como exemplo de muitos hospitais.

O olhar do Bloise sobre a diferença e como a sociedade lida com o outro e as suas relações entre linguagem, loucura e cultura, proporciona visibilidade às questões dos portadores de sensibilidade alterada.

Não optamos pela, adaptação das narrativas, mas pela leitura integral do texto inteiramente transposto para o palco. Gestos, emoções, descrevem o que as palavras textuais narram, compondo um espetáculo de alta intensidade e beleza estética por meio do qual se potencializa as várias camadas de significado que a boa literatura é capaz de gerar.


O elenco é maravilhoso e eu sou totalmente suspeita para falar de cada um, assim como da fotógrafa e do video maker, então peço que vocês confiram o percurso profissional de cada uma dessas pessoas e entenderão…
Estão todos convidados! Espero por vocês!

domingo, 13 de abril de 2008

Poesiefestival


O Poesiefestival Berlin, que é considerado o maior do gênero na Europa acontece na capital alemã, entre os dias 5 e 13 de julho, na Akademie der Künste (academia das artes).
O festival este ano homenageará a poesia em língua portuguesa. Com um público total estimado em 10 mil pessoas o evento, incluirá na programação: música, dança, performance, artes visuais e leitura de textos.
O festival terá ainda, a participação do poeta carioca Marco Lucchesi, e do cantor, compositor e poeta Arnaldo Antunes.
Vários Países foram homenageados no Poesiefestival, no decorrer dos anos: a Austrália (2003), a Irlanda e a língua celta (2004), os países de língua espanhola (2005), a Suíça (2006) e a poesia canadense, em francês, da província de Québec(2007), e agora podemos festejar a Língua Portuguesa, na moderníssima e vibrante cidade de Berlim.


Você poderá encontrar a programação completa, no site onde é divulgado o festival.
O site é um acontecimento a parte, onde todos podem participar sem sair da poltrona, entrem e usufruam desse acontecimento.
Literaturwerkstatt é a instituição responsável pela organização do Poesiefestival e também pelo site: http://www.lyrikline.org/ onde você encontra uma compilação de poemas escritos em quase 50 idiomas, com 460 poetas e 4600 poemas.
Vamos viajar e nos perder no site, onde no impulso de uma tecla é possível você escutar os poemas lidos por cada autor, falados pela voz humana, pelo som, pela melodia e pelo ritmo de cada poema que é transformado em música.
No site, eles defendem a idéia de que todo poema deve ser lido em plena voz alta, para ser escutado e assim revelado a sua qualidade musical inata.

Eles acreditam que não importa em que língua um poema é escrito e não importa em que parte do mundo ele é lido, porque ele será imediatamente reconhecido como um poema, um concerto de palavras.

«…Escrever é tocar no corpo do mundo, é um acontecimento cujas consequências se revelam na trama da obra e na história dos homens…»

“Pensar Letras
Sentir palavras
A alma cheia de dedos”

terça-feira, 1 de abril de 2008

Photo Espanha 2008 - Lugares reais, Espaços mentais

O Festival Internacional de Fotografia e de Artes Visuais, Photo Espanha 2008, que se realiza a partir do dia 4 de Junho até ao dia 27 de Julho em Madrid, (Canal de Isabel II e na sala Alcalá 31). Apresenta um programa centrado nos espaços, concretos ou inventados, como inspiração artística.
As propostas de Photo Espanha navegam em todas as direções. Desde Eugene Smith até Tomás Vallhonrat ou Thomas Demand.
Fiquem atentos também para o ciclo de cinema na Filmoteca Espanhola. No Festival Off, Campus PHE, teremos este ano: foto-jornalismo,fotografia conceitual e a fotografia de moda.

Gostei da proposta, de que o conceito de espaço pode remeter a essências míticas, mentais, ou inventadas.
Gostei de pensar nos espaços sugestivos, nos lugares concretos e nos universos em miniatura, como olhar desse Festival.

Gostaria de emprestar meus olhos afetivos, invocar o poder intuitivo e curtir com vocês todas as fotos.
Gostaria de cultivar a percepção da beleza da Natureza e sua influência no Poder da Criação.
Gostaria de compartilhar a liberdade de um olhar, criativo, lúcido, e viajar nas fotos que nos levam a expandir nossa consciência!

"O tempo, o tempo, o tempo e suas águas inflamáveis, esse rio largo que não cansa de correr, lento e sinuoso...".

quarta-feira, 19 de março de 2008

Hilda Hilst e o Processo de Teatro

Estamos vivendo um momento de intensa relação de Hilda Hilst com o universo teatral. A obra da escritora tem sido levada em cena com diferentes montagens, e eu acompanho de perto o processo teatral de minha amiga, Rosaly Papadopol.

Sei que muitas pessoas vêem a Hilda como pornográfica, mas ela na verdade, é um grande e misterioso baú, donde podem infinitas personas emergir para povoar o grande palco da Arte.

Teatro é um artesanato, um processo ritual, uma comunicação humanamente direta, pelo qual sou apaixonada.
Sempre há espaço para o ator de teatro por excelência e eu torço pelos amigos, como a Rosaly, que lutam não apenas por um espaço dentro do que já está estabelecido, mas tentam traçar novos caminhos, questionam as estruturas existentes, e vão em busca de apoio e orientação para trazer à tona os projetos imaginados.



Rosaly contou que em 1998, em plena madrugada, nossa amiga atriz Imara Reis, ligou empolgada dizendo que havia lido uma entrevista com a Hilda, e percebido quanto o temperamento artístico da Hilst era próximo ao universo da Rosaly. Fiquei imaginando a Imara empolgada, sem se preocupar com o horário, e a Rosaly acordando e se reencontrando com o mundo da Hilda.
Rosaly voltou a ler Hilda, de quem já era grande admiradora, e com um olhar abrangente, optou por trabalhar com a obra da escritora, através do teatro.
Com a ajuda de José Antonio de Souza e Gaspar Guimarães, traçou o perfil literário e pessoal de Hilst, nos seus diversos estilos, com poesia, ficção e teatro, realçando a real dimenssão da obra e alma da escritora.

Rosaly desejosa de se lançar com a obra de Hilda, começou a produção do trabalho em 2005, e tentando criar raízes e asas para voar, luta com afinco, para levar em cena a arte de Hilda Hilst.

Na senda da transformação que a arte pode evocar, encontramos eco na obra de Hilda Hilst, que possibilita redescobrir recantos adormecidos.
Vibro para que Rosaly traga à cena tudo o que ela absorveu da obra de Hilda Hilst. Sei que Tália e Melpômena, o símbolo do teatro, as duas máscaras a que ri e a que chora, virão para aplaudir e mostrar que todo o árduo percurso do processo teatral, faz parte das duas faces da mesma moeda.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Tarsila do Amaral


Nessa minha volta a São Paulo, foi muito significativo ver as obras de Tarsila do Amaral, que com toda sua brasilidade, foi representante do movimento modernista, e trouxe renovação para a arte brasileira

A exposição Tarsila Viajante, que fica até 16 de março na Pinacoteca do Estado, aborda a influência das viagens, no trabalho da pintora. Você pode ver na trajetória de Tarsila, pelo tempo e espaço, 35 pinturas e 120 desenhos, incluindo Abaporu, A negra e Antropofagia!

Revivi com Tarsila a busca da identidade brasileira, nas suas “viagens”, apresentada nos seis núcleos da exposição: Anos de formação, Ensaios modernistas, O descobrimento do Brasil, Viagem ao Oriente Médio, Brasil mágico e Viagem a União Soviética.
Um de seus quadros, Abaporu, que serviu como inspiração e síntese do Manifesto Antropófago, criado pelo Oswald de Andrade, comentado aqui no Serenade, quando indignada o vi em Buenos Aires, no MALBA. Agora foi com enorme prazer, que pude ver juntas as três importantes pinturas da artista: Abapuru, A negra e Antropofagia!

“Uma figura solitária monstruosa, pés imensos, sentada numa planície verde, o braço dobrado repousando num joelho, a mão sustentando o peso-pena da cabecinha minúscula. Em frente um cacto explodinda numa flor absurda.” Comentário de Tarsila sobre o quadro Abapuru.


Depois da separação do primeiro marido, Tarsila que passou a morar em São Paulo, dedicava-se ao piano, à composição de versos e à pintura. Depois de ter decidido pelas artes visuais deu um depoimento dizendo: “Por timidez passei a fazer pintura”

Tarsila foi apresentada por Anita Malfatti, ao grupo dos Modernista, com a afinidade e amizade entre eles, formou-se o chamado Grupo dos Cinco com Anita Malfatti, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, com quem se casou.
As reuniões desse grupo eram animadas, constantes e tinha a participação de outros artistas da Semana da Arte Moderna.



Tarsila, após seu retorno da Europa, em 1923, trouxe para sua pintura soluções realmente originais, combinando as técnicas do pós-cubismo aprendidas com Andrë Lhote, Albert Gleizes e Fernand Léger, com temas e um colorido profundamente identificados com a cultura brasileira. Podemos reconhecer em suas obras, que Fernand Léger, a marcou profundamente.

Sobre sua viagem ao Oriente Médio Tarsila declarou:
“Depois de três meses que passei no Oriente Próximo, turquia, Grécia, Arménia, Palestina; Egito, Chipre, Rhodes, depois do contato mais intimo com a arte Oriental, lembro-me de voltar a Paris , achei as suas vitrinas , na sua maioria, feias pela suas decorações flasas, porque nem tudo que se faz em Paris é bom, como muita gente ainda pensa. A falsidade e o desejo evidente de originalidade me chocaram profundamente”

Sinto-me próxima a Tarsila viajante, que levou de cada lugar que visitou elementos para enriquecer sua vida, não separou o intimo do artístico e descobrindo a si mesma revelou um Brasil moderno.